Logo pela manhã um piadinho de passarinho-neném
se ouvia da janela do quarto. Pensou que fosse mais um passarinho a visitar uma
de suas plantas do quintal, por isso não se importou tanto com o fato.
Passadas algumas horas, e pela necessidade
de ir ao quintal dar de beber às suas plantas, avistou um passarinho muito
pequeno. Tão pequeno que nem voar, ainda, sabia.
Num primeiro momento ficou a se perguntar
como ele foi parar ali sem se machucar e procurou nas árvores em volta um ninho
onde pudesse devolvê-lo. Em vão...
Se preocupou com o fato de não saber como
ele iria se alimentar, ou mesmo como aprender a voar e sair a explorar o mundo
com as pequenas asas que Deus lhe presenteou.
Resolveu esperar algumas horas, pois, quem
sabe, sua mãe viria buscá-lo. Mas, mesmo se viesse, como iria levá-lo para
proteção de seu ninho? Pois, por mais que ela desejasse, seria impossível
carregá-lo.
Quem sabe a própria natureza desse um
jeito...
Incrívelmente, não precisou esperar muito!
Qual não foi sua surpresa ao ver a mãe do
pássarinho- neném aparecer para alimentá-lo.
Se escondeu e observou por alguns
momentos.
Ela, a mãe, ia e vinha com frequência. Alimentava
seu filho, ficava um pouco ao lado dele, e voava.
Voltava depois de certo tempo, o
alimentava. Por vezes, voltava apenas para ficar a seu lado.
Enquanto estavam juntos, conversavam
conversas de passarinhos. Piu, piu, piu... piu, piu...
Parou e pensou, sim, são todas iguais. As
mães cuidam, protegem, fazem o impossível para estar junto, à maneira e
possibilidade de cada uma...
No outro dia, ouviu um piadinho um pouco
diferente daquele que ouviu no dia anterior.
Sua curiosidade foi tão grande, que, correndo
silenciosamente, foi ver de quem.
Olhou e não acreditou. Eram, agora, dois
passarinhos-nenéns, incapazes de voar.
Novamente parou e observou.
Novamente, a mãe veio, alimentou, desta vez os
dois, conversou e foi embora. Voltou, alimentou, conversou, e foi embora.
As vezes, quando se sentia ameaçada, ela ia, não para longe, mas para um galho de
árvore próximo. Outras vezes, conversava com eles de cima do telhado, mas nunca
os abandonava.
Algumas semanas se passaram, exatamente, na
mesma rotina.
Os passarinhos-nenéns ja estavam menos
arredio a aproximação da dona da casa. E, ela, a sua maneira, se sentia
presenteada por Deus.
De repente, o maiorzinho, que foi quem
chegou depois, começou a dar vôos rasantes. Logo sairia para conhecer o mundo,
batendo suas pequenas asinhas...
Quando amedrontado, empolieirava-se na
janela, no banco, em uma folha, todos de pouca altura, até que um dia, voou
alto e alcançou sua mãe que estava o tempo todo a animá-lo com sua linguagem de
passarinho a subir um pouco mais alto.
Daí em diante, seguia a mãe algumas vezes,
voltando sempre com ela quando vinha alimentar o menorzinho.
A dona da casa chegou a pensar que ele, o
menorzinho, pudesse não sobreviver, teve medo que sua mãe e irmão o
abandonassem. Pensamento idiota.
No outro dia, viu que o irmão, mesmo já
voando e podendo acompanhar a mãe, ficava ao lado do irmão pequeno, protegendo,
conversando em sua linguagem de passarinho. Só se ausentava quando se sentia
ameaçado.
Impossível saber se permanecia por amor ao
irmão ou por ordem de sua mãe, mas o fato é que permanecia.
Em pouco tempo, o menorzinho começou a dar
raros voos rasantes. Estava sempre muito amedrontado.
Mostrava que precisava muito da companhia
da mãe e do irmão... E ela, nunca deixou de vir.
E assim, permaneceram, vários dias, na
verdade, algumas semanas - passarinhos não aprendem a voar rapidamente.
Um dia, quando o pequeno já estava
bastante desenvolvido em sua “voança” pelo quintal, a dona da casa pensou que "logo
iriam embora".
Observou por algum tempo mais. Logo sentiu
falta do mais velho e percebeu que a mãe também não estava, somente o
menorzinho. Será que haviam ido embora? Mas depois de tanto tempo e esforço por que iriam e abandonariam o menor?
Mais tarde, foi ao quintal buscar algo de
que precisava. Passou pelo banheiro dos fundos e notou a porta aberta. Logo,
sentiu um gelo em seu estômago, como se tivesse tomado, de uma só vez, uma
garrafa de água muito gelada.
Parou à porta e teve medo de entrar. Não
teve jeito. Entrou. Para seu desespero, o irmão maior, que cuidava com tanto
carinho e atenção do pequeno, estava imerso, paralisado, com suas asas abertas,
na água do vaso sanitário...
Sentiu um ódio tão grande, que era
impossível de explicar em palavras. Sentou, chorou e rezou...
A grande estupidez de quem esqueceu aquela
porta aberta, era algo de tão grotesco que preferiu não saber quem foi...
A culpa, a tristeza lhe consumiu por
vários dias... Aquela lembrança, até hoje, a emudece...
Passados mais alguns poucos dias, o
irmãozinho apredeu a voar alto, alcançado e acompanhando a mãe. E, foram
embora, sozinhos...
Vez ou outra, ela ainda aparece,
chamando o outro com sua linguagem de passarinho: Piu, piu...
Enquanto ele voa alto no céu dos
passarinhos.
(Este texto é muito antigo. Acho que do ano de 2006. Mas foi uma das experiências mais marcantes que já vivi).
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